Por Clarissa Pacheco*
As perspectivas para o mercado imobiliário em 2021 são de muitos desafios e resiliência, diante de um cenário de incertezas, e um ambiente de negócios adverso, sem uma recuperação significativa da economia. A taxa de desemprego se mantém elevada, chegando ao patamar de 14,7%, contando ainda, que o principal vetor de enfrentamento da pandemia, a vacinação, caminha a passos lentos. A proximidade de um 2022 de muitas turbulências, desdobramentos econômicos e decisões políticas essenciais para o país também são alarmante. Se por um lado 2020 foi um ano de tensão social, impactado pela deflagração de uma grave crise sanitária mundial do novo coronavírus, foi também um ano de mudanças profundas nos padrões de consumo e no “modus vivendi” das famílias, que trouxeram novas necessidades e transformações irreversíveis.
Os mercados, empresas e consumidores tiveram que se reinventar, sendo compelidos a fazer uso de novos recursos, sobretudo virtuais, estimular a criatividade, inovação e implementação de novas tecnologias. Todo esse esforço foi necessário para manter suas atividades em curso e permanecerem economicamente ativos. Com o advento do home office em consequência da quarentena, a relação das pessoas com sua residência mudou, as famílias levam mais tempo em casa, ficando evidente a valorização por espaços mais amplos, confortáveis, em contato com a natureza e com opções de lazer.
O principal questionamento é: será que toda essa demanda permanece ativa? Para tanto, é imprescindível entender o comportamento do consumidor de imóveis, afinal uma leitura do comportamento antecipa tendências e cria um direcionamento a partir da observação da transformação das necessidades.
É fundamental atentar que mercado imobiliário e ambiente econômico não são “ecossistemas” diametralmente opostos, a interface é inequívoca. A lógica é muito simples, se os juros caem o mercado é estimulado, se os juros sobem o mercado sofre
Em um cenário de crise há sempre a busca pela oportunidade perfeita, o que leva a uma maior tendência a especulação e procrastinação. Em um cenário de incertezas e volatilidade, o que prevalece é a cautela, ponderação e indecisão. Adquirir um imóvel pronto ou na planta? Usar toda a reserva financeira e pagar à vista ou financiar? Cair nos juros de financiamento imobiliário, considerando o CET (Custo Efetivo Total) com todas as taxas embutidas ou pagar parcelas corrigidas pelo INCC-M ou INCC-DI?
Em 2020, onde a taxa básica de juros atingiu o seu menor patamar histórico (2,0%), e os bancos nunca estiveram tão ávidos na busca por consumidores de crédito imobiliário, os financiamentos bateram recorde e foram implementadas novas modalidades de financiamento, o que possibilitou uma larga ampliação de oferta de crédito no mercado e maior acesso a ele. A CEF (Caixa Econômica Federal) fechou o ano de 2020 com o maior volume de contratação de crédito imobiliário da história com R$ 116 bilhões contratados.
De fato, ainda que em meio um cenário repleto de turbulências e conturbado, uma curva ascendente de vendas foi evidenciada em empreendimentos lançados com tipologia de stúdios de 26 a 50m² e apartamentos de dois quartos até 78m², atraindo um público investidor que saiu da renda fixa com a redução histórica da taxa de juros. A expectativa era de que, uma eventual elevação da taxa Selic, não preocuparia o setor. As expectativas não foram atendidas, e a alta dos juros se configurou, assim como a majoração do INCC impulsionado pela alta dos materiais, insumos e serviços da construção civil.
Para entender tal conjuntura, é importante atentar que, intenção de compra que envolve questões subjetivas como desejo, anseio e sonho do imóvel “ideal”, não é aquisição de imóvel e formalização de negócio. Nesse campo prevalece os fatores racionais, objetivos e intangíveis, com a busca de informação, confiança, segurança e credibilidade, sempre parametrizados pelos dados da economia real e reputação e histórico mercadológico de quem promete entregar o empreendimento.
É fundamental atentar que mercado imobiliário e ambiente econômico não são “ecossistemas” diametralmente opostos, a interface é inequívoca. A lógica é muito simples, se os juros caem o mercado é estimulado, se os juros sobem o mercado sofre. O que traz a demanda imobiliária para baixo, são juros altos e inflação alta. Quando a construção civil vai bem, a economia brasileira é beneficiada, imprimindo um ritmo ascendente. A maior parte do que é investido na construção civil, retorna para o PIB, empregos, tributos e renda à população. Na esteira do aumento da taxa básica de juros (taxa Selic 4,25%) e da inflação, vem os reflexos da majoração, que incide diretamente nos mercados e ambiente de negócios.
A inflação, as incertezas e a pressão exercida pelos custos dos materiais, insumos, equipamentos, mão de obra e serviços da construção têm sido um fator limitante para a melhora do ambiente, com reflexo direto na confiança do setor
Como fatores diretos que impactam no mercado imobiliário, está o impacto no consumo das famílias e no investimento das empresas, bem como o aumento nos juros dos financiamentos e aumento no valor do metro quadrado dos imóveis. Já os investimentos mais conservadores, aplicações em renda fixa sobem, voltando a ser atrativas e com maior possibilidade de diversificação, concorrendo com o imóvel a ser adquirido a título de investimento. Estamos diante de uma mudança sistêmica no mercado imobiliário, onde para toda a cadeia produtiva mais que uma necessidade, é um imperativo reinventar-se e fazer uma releitura de todo o “ecossistema”, sobretudo no que tange as Incorporadoras e Construtoras e seus processos decisórios.
É essencial termos a dimensão dos reflexos da pandemia na economia e, por consequente, no mercado imobiliário. Com juros e inflação em alta, o ambiente de negócios se torna hostil e desfavorável. A alta dos juros implica diretamente na retração do mercado e dos projetos, muitos ficarão em espera, outros podem ser abortados. Há uma clara tendência a alta no preço dos imóveis em 2021, com metros quadrados inflacionados, continuidade no aumento do INCC que atingiu em 2,93% em maio e 2,30% em junho (FGV), atingindo a sua maior alta em 13 anos. Como consequência há uma redução no índice de confiança do consumidor e da construção civil.
É crucial uma abordagem dos efeitos da crise nas construtoras que tem sido colocado à margem dos debates e discussões. Os impactos tem sido severos, os reflexos estão evidentes das demissões, redução da jornada de trabalho, redução dos salários e o reflexo negativo no cronograma de obras, com atraso na entrega dos empreendimentos. O ambiente de negócios para as construtoras, é preocupante, a construção está sujeita a variação do custo dos materiais utilizados e o INCC-M ou INCC-DI, reajusta as parcelas contratuais e o saldo devedor durante a construção.
A inflação, as incertezas e a pressão exercida pelos custos dos materiais, insumos, equipamentos, mão de obra e serviços da construção têm sido um fator limitante para a melhora do ambiente, com reflexo direto na confiança do setor. Na quarentena, as famílias foram em busca de mais conforto e qualidade de vida, foi iniciada uma corrida à procura por materiais de construção para pequenas e médias reformas, o que ocasionou um aumento da demanda por insumos. Por outro lado, a indústria, em função das restrições e distanciamento social, passou a produzir menos com a pandemia. Como resultante dos processos inflacionários a demanda aumentou e a oferta é escassa, o que leva a alta dos preços que pressiona a elevação do índice.
A sobrevida das construtoras depende dos lançamentos e da absorção dos imóveis pelo mercado, “a bicicleta não pode parar de pedalar”, no entanto, não há nenhuma perspectiva de desaceleração na inflação de materiais, insumos, equipamentos e serviços
O pessimismo é extensivo a todos os segmentos da construção, edificações, incorporação, infraestrutura e serviços do setor especializados. As perspectivas mais voláteis nos últimos meses vêm se refletindo no aumento das incertezas, o Índice de Expectativas (IE-CST), diminuiu pelo quarto mês consecutivo, desde novembro o indicador interrompeu o movimento alta.
Um outro indicador relevante para entender todos os reflexos no setor da construção civil, é o ICST (Índice de Confiança da Construção) que está em queda e com oscilações e instabilidade, com uma inexpressiva melhora em junho, e deverá manter-se sem maiores euforias. O INCC-M acumula alta de 9,38% (FGV) somente no primeiro semestre de 2021. Esse custo é repassado pelas construtoras ao consumidor, no preço dos imóveis.
Quem adquiriu um imóvel na planta em maio de 2020, teve um saldo devedor reajustado em mais de 14% até o final do primeiro semestre de 2021. As construtoras e incorporadoras tomam crédito com os bancos. Quando um adquirente financia um imóvel na planta, ele não está apenas adquirindo um imóvel, mas também financiando a construção do empreendimento adquirido. Esse é um mecanismo que comumente passa desapercebido pelo consumidor.
O resultado desse movimento a médio e longo prazo é o risco iminente do aumento nos distratos dos contratos firmados e uma forte retração nas vendas. É preciso estar alerta a essa lógica mercadológica e a toda a cadeia produtiva da construção civil que compõe o ecossistema. A sobrevida das construtoras depende dos lançamentos e da absorção dos imóveis pelo mercado, “a bicicleta não pode parar de pedalar”, no entanto, não há nenhuma perspectiva de desaceleração na inflação de materiais, insumos, equipamentos e serviços.
Na contramão do que se tem propagado com uma enxurrada de notícias superestimadas e com excesso de otimismo, os prognósticos e expectativas para o segundo semestre de 2021 não são nada animadores, e o fator preponderante será a alta dos juros no segundo semestre, onde há uma expectativa de aumento da taxa básica de juros (Selic) de 6,25% até o final do ano e uma inflação acumulada no ano que já supera o centro da meta para 2021, em maio o IPCA acumulado em 12 meses atingiu 8,06%, foi o maior em 25 anos e o IGP-M resultou em 37,04% em 12 meses, sendo 14,39% somente este ano. Esse descolamento significativo entre os índices tende a afetar fundamentalmente o mercado imobiliário.
Já em 2022, como brasileiros, estamos “no escuro” á procura de uma luz no final do túnel, em uma conjuntura político econômica até o momento indecifrável. Estaremos diante de um ano eleitoral, em um país polarizado, com uma agenda lenta das reformas estruturantes que são urgentes para o desenvolvimento do país e para retomada do crescimento econômico. De acordo com estimativa da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC), para 2021 há uma expectativa de um crescimento projetado de ínfimos 5% a 10% no setor.
O mercado imobiliário é e sempre será um ambiente de negócios de natureza de longo prazo, que sofre os impactos de movimentos econômicos de curto prazo. Já é possível antever uma alta na oferta, a permanência do crescimento do INCC, se mantendo em patamares elevados e um cenário econômico ainda mais adverso. Refletir a cerca de todo esse “ecossistema” e contribuir para uma reflexão clara e realista, me remete a célebre canção de Aldir Blanc eternizada na voz de Elis Regina, composta magistralmente em homenagem ao amigo Charles Chaplin, “O Bêbado e a Equilibrista” e suas sutis metáforas.
De acordo com estimativa da Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC), para 2021 há uma expectativa de um crescimento projetado de ínfimos 5% a 10% no setor
Clamamos por uma ampla, geral e irrestrita reestruturação do país, com a reforma tributária ponderada, equilíbrio fiscal, manutenção dos juros em patamares sustentáveis, inflação baixa e controlada e o definitivo controle dos gastos públicos. Essa agenda positiva tem caminhado na contramão das expectativas dos brasileiros, se dando de forma lenta e gradual.
Tempos áureos para um mercado imobiliário cíclico e castigado, ainda são equidistantes. Consumidor de imóvel gosta de preço justo e coerente com a realidade de mercado. Investidor é atraído por rentabilidade e opta sempre por retorno com consistência. Trago comigo um “jargão”, que ao longo da minha trajetória profissional na sua maturidade, sempre trouxe para aplicabilidade no meu cotidiano e no processo dialético de construção da lógica da argumentação: o “O Mercado é Soberano”, e caminhamos com a nossa “Esperança Equilibrista”.
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* Clarissa Pacheco é empresária, com 15 anos de experiência no mercado imobiliário, especialista em varejo, com atuação na área de Desenvolvimento de Projetos e /Gestão Comercial em Incorporadoras e Construtoras nacionais e multinacionais.
@la_casac_imobiliaria