Patricia Punder*
Iniciamos o ano com várias e tristes surpresas no Brasil. Tivemos os atos de 08 de janeiro, o escândalo da Americanas e o desastre no litoral norte paulista. Agora, quando falamos no caso Americanas fica difícil afirmar que durante 10 anos nenhum colaborador não tinha conhecimento do que acontecia na parte contábil. Ademais, era público que um dos sócios tinha papel relevante nesta empresa. A primeira estratégia utilizada pelos sócios foi pela negação, ou melhor, pela alegação de cegueira deliberada desde o início do caso.
Entretanto, a estratégia inicial não deu certo e foi iniciada uma batalha jurídica com os bancos, maiores credores, que buscaram seus direitos creditórios junto a justiça brasileira. Consequentemente, a nova estratégia aplicada foi a contratação, pela Americanas, de renomadas bancas jurídicas para se defender. Em paralelo, entraram com o pedido de recuperação judicial na esperança de que o BNDES pudesse “salvar” a empresa, principalmente mediante o apelo dos milhares de colaboradores que poderiam perder seus empregos, mas a resposta negativa foi clara e assertiva: Não vamos colocar dinheiro em uma empresa que, na figura de seus acionistas, possuem capital mais do que suficiente para recuperar a empresa.
Após essa tentativa frustrada, nova estratégia foi colocada na mesa, através da contratação de uma empresa especializada e de renome para atuar na renegociação com os credores. As solicitações desta empresa foram, no mínimo, ultrajantes, ao pedirem aos maiores credores um deságio de 50% para começarem a negociar. Novamente, voltaram à estaca zero e, em paralelo, as ações judiciais ficaram ainda mais intensas, alcançando as mídias e noticiários diariamente.
Neste momento, foi definida a criação de um Comitê Independente para investigar o que ocorreu de fato, no entanto, em uma gestão de crises eficiente é fundamental a existência de um porta-voz para transmitir os acontecimentos e deixar os stakeholder cientes do que tem sido investigado.
Entre um fato e outro, começaram a serem publicadas notícias sobre a conduta dos Conselheiros que perguntavam sobre o risco casado. Fica a grande dúvida, são realmente independentes os contratados, ou membros, deste Comitê? Afinal, os honorários são pagos pela Americanas. Vão de fato chegar à causa raiz e expor os responsáveis, não importa quem sejam os mesmos? Ou seria mais uma estratégia para tentar criar uma ilusão que querem descobrir a verdade. Ademais, temos membros deste Comitê que, aparentemente, possuem fortes conflitos de interesses, pelo simples fato de atuarem no Comitê ao mesmo tempo que também possuem participação em um dos principais credores.
Tendo em vista que o ato de delegar as negociações passou uma imagem de que não queriam se expor, os acionistas decidiram voltar ao Brasil para participarem pessoalmente do processo de negociações, afinal são empreendedores de sucesso internacional e acreditaram que a figura deles poderia acalmar os ânimos dos credores. Como estratégia, ofereceram um valor irrisório para injetarem na empresa, passando a imagem da velha prática da “garantia sou eu”, como se o sucesso do passado fosse uma confirmação de sucesso futuro. Mas, o mundo dos negócios mudou, agora não basta mais ser uma figura renomada para garantir quaisquer operações, existem controles internos e respeito nas empresas como regra do jogo.
Depois de muito desgaste, finalmente a última estratégia teve que ser colocada: uma oferta dos acionistas de injetarem R$ 10 bilhões na Americanas. Tal montante não cobre o rombo que ainda não foi totalmente apurado, mas pelo menos gera uma sensação de alívio aos bancos, principais credores.
Apesar do acima exposto, podemos verificar que as estratégias de negociação causaram mais danos e exposição a imagem da empresa e dos acionistas, basta acessar uma rede social e ler os comentários depois de uma notícia sobre a Americanas, com a mídia extremamente negativa, a empresa literalmente perdeu a credibilidade no mercado brasileiro.
Se os acionistas tivessem tido como estratégia inicial uma postura mais transparente, colaborativa e voltada para a ética, todo o contexto seria totalmente diferente. Poderiam ter resolvido esta situação em, no máximo um mês, sem afetar a economia brasileira como de fato aconteceu. Depois do escândalo da Americanas, os bancos estão mais cautelosos para conceder crédito para outros varejistas, o que pode levar a um efeito dominó de novas recuperações judiciais e mais desemprego.
Toda crise tem que ser gerida com estratégia, de forma bem pensada, estruturada e com total ética, não é mais possível usar da velha fórmula denominada “sabe com quem você está negociando?”. Chegou o momento de as crises serem tratadas mediante o uso de estratégia profissional buscando o “ganha-ganha” de todas as partes.
Impor condições unilaterais em uma negociação deste nível, utilizando um status do passado, passou a ser um ato ultrapassado e pretencioso. O mercado não aceita mais erros, seja de quem for.
*Patricia Punder, é advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.